01/12/2013

AFINAL. (..."Dezembros de dezembro, dezembro é, afinal, o nosso nome")

AFINAL.

"Sob sua luz parece nunca ter havido

outro tempo senão este, espiral extrema.
Tudo estremece: Dezembro soletro
contra o muro do cimento fresco.
Que me seque a língua quando não puder
sentir a cigarra que zune entre os dentes
quando digo dezembro,dezembro repito
e como noutros dezembros outros homens
pediram a Tyrme, o matador de gigantes,
a Kali, mãe divina, ao espírito de Ning-Ning.
Peço a dezembro: lembre-se de mim
quando extinguir-se toda a juventude
de meus anos; esteja presente quando nas despedidas
restar apenas a dor à porta de casa;
quando a canção emudecer, empalidecer a luz
e até um grão de lentilha for um peso
lembre-se uma sílaba ao menos de mim;
e quando eu morrer, caso haja quem chore
por isso,fique ao lado dele, como agora ao pé de mim,
nos dias de lágrimas nos dias de faca e de destruição,
no dia em que todas as árvores caírem
e a teia de correntes vier mais alta que meus golpes,
recorda-se de quando bebemos juntos nas cidades
e embriagados sonhamos, sobre o asfalto a erva da estepe.
Acúmulo de números apressados que o vento
embaralha num calendário sem fim ou sentido,
tudo deságua no presságio de que somos todos
não mais  que lembranças de dezembro,
uma espécie de semente, sim, que o tempo planta
e colhe e mói e torra e come.
Dezembros de dezembro, dezembro é,
afinal, o nosso nome"
Canaã Ferraz