07/03/2012

PEDRA FILOSOFAL (António Gedeão)

"Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida tão
concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso
em serenos sobressaltos,
como estes pinheiros altos
que em verde e oiro se agitam,
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.
 Eles não sabem que o sonho
é vinho, é espuma, é fermento,
bichinho álacre e sedento,
de focinho pontiagudo,
que fossa através de tudo
num perpétuo movimento.
 Eles não sabem que o sonho
é tela, é cor, é pincel, base,
fuste, capitel, arco em ogiva,
vitral, pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia,
que é retorta de alquimista,
mapa do mundo distante,
rosa-dos-ventos,
Infante, caravela quinhentista,
que é Cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim, florete
de espadachim, bastidor,
passo de dança,
Colombina e Arlequim,
passarela voadora, pára-raios,
locomotiva, barco de proa festiva,
alto-forno, geradora, cisão do átomo,
radar, ultra-som, televisão,
desembarque em foguetão
na superfície lunar.
Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida.
Que sempre que um homem
sonha o mundo pula e avança
 como bola colorida entre
as mãos de uma criança"

António Gedeão